1 de dez. de 2011


As velhas da minha rua

Com saudade, sim, recordo com saudade, a Bárbara das Carretas, sempre atarefada a fazer empreita, rolo já feito debaixo do braço, uma palma na boca, usava vocabulário um tanto impróprio para uso das pessoas de então, fumava cachimbo.
A Júlia Franco, encarregada de serviços de um antigo comerciante, o Pereira, que era surdo, e então a quinhentos metros ouviam-se as conversas, quase sempre relacionadas com os serviços que fazia num pequeno terreno que o senhor tinha à distância de cerca de um quilómetro da então vila de Lagoa.
A Tia Anica tinha a mania das horas e, enquanto não ouvia as badaladas, estava inquieta, mas, assim, depois delas ficava feliz. Também tinha a mania dos nomes e, assim, abeirava-se das pessoas, dando sinais da pessoa de que se tinha esquecido do nome, e, então, quando era satisfeita, agradecia muito. Metia rapé nas narinas e espirrava por isso, mas, segundo dizia, aliviava-a muito.
O sistema de registo da Tia Eliza
A Tia Eliza, proprietária duma taberna, fazia o seu comércio, fiava e, como não sabia ler ou escrever, os algarismos  que usava eram símbolos que desenhava.1 escudo, 50 centavos, 20 centavos, 10 centavos. Tinha uma máxima: casa que não tem teias de aranha, não tem pão. Quando discutia dizia no discurso ”Eu sou muito parcial”. Queria dizer “muito imparcial”.
A Inácia Bobó, lavadeira, ia buscar roupas para lavar nas Fontes de Estômbar. Para fazer a caminhada até às Fontes usava um burro velho; alguns encomendava a rapazes, que iam buscá-los às Alagoas, zona húmida, onde abandonavam asininos depois de já não poderem trabalhar, cujo valor não ia a 50 centavos. Quando tinha algum dinheiro ia à taberna da Tia Eliza com uma garrafinha escondida, que trazia cheia de aguardente. Depois de embriagada, insultava os vizinhos.
A Isabel Carteira, coitada, também era alcoólica e então vivia com o Eugénio Esbruga num armazém (antiga oficina de carros puxados por muares). Se ele recolhia mais cedo, fechava-se e era vê-la suplicando ”Ó Geninho, filho, abre a porta!” Batia e repetia até à exaustão “Geninho, abre a porta!” e, assim, ele curtia a sua bebedeira abrigado, e ela, também com os copos, de fora, até que se calava, vencida pelo sono. A Isabel Carteira comia carvão, algum adquirido fazendo mão baixa na taberna da Tia Eliza.
A Lucrécia Caixinha era outra velha dos meus tempos de criança. Fazia bruxedo. Vivia com duas filhas e chegaram a estar encarregues dum marco fontanário existente perto da casa onde viviam.
Como é bom recordar isto, antes que a velhice que me afeta, mo faça esquecer.
Eu já me esqueço dos nomes. Eu já não dispenso o relógio. Outros digam de sua justiça.
Rogério (Novembro, 2011)

30 de nov. de 2011

Este início de Novembro tem vindo cinzento e chuvoso, como se espera do outono que a nossa memória (nem sempre muito fiel e objetiva, confessemos!) guarda 
Regressado das termas, o colega Rogério propôs-nos a sua reflexão sobre o outono, tempo de meditação, regresso, reencontro e de se lançarem as sementes para que a primavera possa florescer em todo o seu esplendor.

Outono 
 Estação do ano que nos faz procurar os agasalhos para usar na época das chuvas.
Tempo de reflexão e, porque nã; sentir saudades do verão.
As ruas e avenidas atapetam-se de folhas das árvores, algumas de cor verde escuro, com laivos de vermelho, as chuvas aparecem para aumentar o caudal dos ribeiros, e, por consequência, dos rios que irão desaguar no mar imenso.
As terras recompõem-se das securas do verão e ensopam-se das chuvas que agora caem, as sementeiras estão no começo para que possamos dispor de alimentos provenientes de leguminosas que iremos recolher em tempo útil.
Assim ainda se vindima e colhem-se as castanhas.
É tempo de aprender mais e voltar a reencontrar com a nossa querida professora Anabela.
Rogério (Novembro, 2011)


Obs. Obrigada pelo seu último parágrafo, tão gentil e amigo. O prazer do reencontro é recíproco. Nem sabe como é saboroso e estimulante voltar ao vosso contacto!

A sessão de 2 de Novembro foi animada por vivo debate a partir dum texto elaborado pela colega Hermínia. 

No final, para serenar, foi proposto um exercício criativo que contivesse a palavra Europa, de preferência sob a forma de acróstico. 

A resposta ao desafio não se fez esperar e na sessão seguinte a colega Natércia presenteou-nos com o seu olhar crítico neste poema: 

EUROPA 

Eu desiludida estou aqui 
União não consegue convencer 
Reina a alemã e Sarkozy 
O resto da Europa a sofrer 
Para nós veio a troika dar lição 
Afinal para que nos serve o Durão? 
Natércia (Novembro, 2011)

9 de nov. de 2011

Reencontro

É bom o reencontro!

Trazemos no rosto e nas conversas a saudade, a distância, a urgência do toque, do olhar ansiosos por refazer pontes e derrotar a ausência e a solidão.

Este blog tem estado adormecido há tanto tempo que nada melhor para recomeçá-lo que o poema da colega Natércia.


Saudade

A saudade que eu já tinha
Da minha alegre “escolinha”
E dos amigos rever
As horas eram compridas
E as tardes aborrecidas
Sem saber o que fazer

Agora voltei às aulas
Voltei a ouvir as falas
E a sentir a gratidão
O saber enriquecido
Obrigada, direcção

Sei que a saudade não mata
Porém eu já estava farta
De tantas férias a fio
Retomei, fiquei contente
Já abracei tanta gente
Neste convívio sadio.

Voltei a ver professores
Eles que são uns amores
Razão da nossa existência
É bom voltar à “escolinha”
Arejar a cabecinha
Pôr à prova a resistência.

Esta saudade é alegre
Só causa desassossego
Sem grande profundidade
Mas tudo tem seu valor
Embora não cause dor
Não deixa de ser Saudade.
Natércia (Outubro, 2011)

2 de jun. de 2011

A minha neta Matilde presenteia-me de vez em quando com desenhos que contam histórias, as suas histórias de menina de cinco anos recentes.

Para ela e para os nossos netos todos a homenagem neste desenho. Lindo, não está mesmo?



1 de jun. de 2011

Ainda a propósito do Dia da Criança

Neste Dia da Criança não resisti a colocar aqui o maravilhoso texto de Almada Negreiros, A Flor".


Pede-se a uma criança: Desenha uma flor! Dá-se-lhe papel e lápis. A criança vai sentar-se no outro canto da sala onde não há mais ninguém. Passado algum tempo o papel está cheio de linhas. Umas numa direcção, outras noutras; umas mais carregadas, outras mais leves; umas mais fáceis, outras mais custosas. A criança quis tanta força em certas linhas que o papel quase não resistiu. Outras eram tão delicadas que apenas o peso do lápis já era demais. Depois a criança vem mostrar essas linhas às pessoas: Uma flor! As pessoas não acham parecidas estas linhas com as de uma flor! Contudo a palavra flor andou por dentro da criança, da cabeça para o coração e do coração para a cabeça, à procura das linhas com que se faz uma flor, e a criança pôs no papel algumas dessas linhas, ou todas. Talvez as tivesse posto fora dos seus lugares, mas, são aquelas as linhas com que Deus faz uma flor!



Almada Negreiros in  "O Regresso ou o Homem Sentado - III parte"

Dia da Criança


Hoje, descuidada da data, levei para a nossa sessão alguns textos sobre violência juvenil, perturbada que estava por acontecimentos recentes envolvendo adolescentes comprometidos com chocantes agressões a outra adolescente e publicação do respetivo vídeo no youtube.

O colega Rogério ajudou-nos a repor a ordem que devia ter sido a ordem do dia:

Dia da Criança

Criança

Criança que fui, estou distante das tarefas que executava, das brincadeiras, de como obedecia e das traquinices e até más ações. Assim foi a minha infância que não esqueço.
Cheguei a velho, a outra ponta desta linha da vida que seguimos desde o nascimento até à morte.
Rogério, 01-06-2011 

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                 

18 de mai. de 2011

Crónica de outros quotidianos


O burro, que noutros tempos foi animal de carga e transporte e fiel companheiro em muitas lides do campo, quase desapareceu da paisagem algarvia.
Felizmente algumas organizações particulares têm vindo a redescobrir estes animais.
E para que servem hoje os burros?  
É "utópico continuar a dizer que as pessoas vão trabalhar a terra durante toda a vida com o burro". Por isso, houve que encontrar novas utilidades, como "a terapia no contacto com crianças, tanto as ditas normais como as portadoras de deficiências físicas e mentais, o que ajuda ao seu desenvolvimento, além de passeios turísticos". 
É essa aposta que, de resto, já se verifica no Algarve, onde duas alemãs e uma holandesa fundaram há seis meses o movimento «Orelhas sem Fronteiras».
Na sua propriedade localizada no concelho de Aljezur, onde possui quatro burros de raças misturadas, a alemã Sofia von Mentzinjen, de 42 anos, recebe duas vezes por semana um menino autista e lembra que "só pelo facto de ele estar sozinho e à vontade com um dos  animais, a passear num ambiente em que nada o perturba, já está a perder a agressividade que vinha manifestando na escola".


Mas a crónica de hoje fala-nos dum quotidiano em que as pessoas se faziam transportar de burro nas suas deslocações do campo para as localidades maiores.


Lição e Castigo

Um grupo de rapazes do qual fazia parte entretinha-se a soltar os burros deixados por senhoras que vinham do campo fazer as suas compras e deixavam os animais presos debaixo duma buganvília que existia à entrada da vila e fazia parte duma casa apalaçada.

Dávamos umas passeatas no dorso dos pacientes animais.

Um dia correu-me mal, e o burro, que abusivamente soltei e montei, deu vários coices, deixando-me estatelado no chão, parando em seguida.

Aí pensei que a burrice que fiz mereceu a lição e castigo dados pelo burro, ou burra, não sei, não tive tempo para verificar.

Dessa altura até agora distam setenta anos aproximadamente.
Rogério, Maio, 2011.

6 de abr. de 2011

A nuvem cor-de-rosa



Enquanto somos novos, isto é, até cerca dos trinta anos de idade, o metabolismo do nosso corpo permite-nos dormir toda a noite sem interrupções, dando-nos ao acordar a impressão de que aquelas horas de descanso não passaram por nós, Isto, é claro, se não for o caso de estarmos excitados com algum assunto pessoal, ou se estivermos doentes.
Mais tarde, e à medida que a idade avança são frequentes as idas à casa de banho a meio da noite, por um lado é o sono que é mais leve, por outro as preocupações do dia-a-dia vão connosco para a cama e, de certa forma, atormentam-nos o descanso, e ainda porque a elasticidade do nosso corpo não nos permite excessos de volume por muito tempo.
É essa a experiência de vida de todos nós, e portanto é essa a minha experiência, pelo que, por hábito e automatismo, é normal que a meio da noite eu vá descarregar os líquidos em excesso no lugar a tal destinado, porém, e para não acordar a parceira que partilha comigo a outra metade da cama, tenho o bom senso de fazer todo percurso de luz apagada, de forma que vou e volto às escuras e normalmente meio a dormir. Nestas sucessivas surtidas nocturnas nunca nada de estranho me aconteceu, o que é normal, pois conheço perfeitamente a geogra­fia da casa, sei o lugar exacto dos móveis e adereços que a decoram, e, nestas condições, é com facilidade que me desloco pela casa às escuras, proeza que penso, toda a gente é capaz de cometer.
No entanto, e para que as excepções sirvam para confirmar a regra, aconteceu uma noite o anormal, o diferente, o desconhecido. Aconteceu há alguns anos, não o posso precisar, porque interessa, isso sim relatar o sucedido para se ter ideia de quanto a pessoa pode ficar fora de si perante situações aparentemente inexplicáveis.
Pois bem numa noite em que como de costume saí da cama para aliviar os líquidos precipitados há horas, ao abrir a porta do quarto na mais completa escuridão, senti-me de imediato possuído de uma sensação de desconhecido, e fiquei francamente bloqueado apesar de ainda mal acordado.
Ali mesmo à porta do quarto, na minha frente, e à altura do meu peito estava suspensa no ar do pátio de distribuição das divisões, uma nuvem, ou aquilo que o aparentava ser, de uma ligeira tonalidade rosa. Fiquei mirando aquilo, mal acreditando no que os meus olhos míopes tinham pela frente.
Ora sendo eu uma pessoa pouco dada ao sobrenatural e ao metafísico, não ignorando eu, no entanto, que muita gente acredita em coisas do além, e que se diz capaz de visões fan­tásticas, procurei com a rapidez que os resquícios do sono me permitiam, uma explicação objectiva para tão insólita aparição; contudo, a nuvem ligeiramente luminosa permanecia está­tica na minha frente.
É claro que o meu raciocínio cavalgava veloz na procura de solução para o problema, não esquecendo que uma das incógnitas do problema residia na minha já aludida dificuldade visual, e assim começava a pôr em dúvida a natureza do estranho objecto em levitação. Então lembrei-me de que um dos adereços que fazia parte da decoração daquela saleta de distribui­ção era uma jarra com um arranjo composto por plumas, o qual ficava entre as portas do quar­to e casa de banho. Era então isso mesmo o jarro com as plumas, porém a irradiação luminosa que o tornava visível de noite passou a ser o mistério seguinte, pois que nunca antes tinha acontecido.
Então, mais seguro de estar próximo de desvendar completamente o mistério, decidi avançar, passando ao lado das plumas luminosas, e, olhando-as de frente, reparei então que o interruptor do radiador da casa de banho tinha acesa a luzinha alaranjada que indicava estar ligado; assim, esse débil feixe de luz incidia no emaranhado das fibras das plumas que estavam muito próximo e provocava, por difusão dessa luz, a impressão de nuvem luminosa.
Entrei na casa de banho, estava calor! Pois não! O radiador de parede estava aceso! Praguejei em honra de quem o tinha deixado ligado. Sentei-me na sanita e descarreguei a adrenalina. 
Carlos, Março 2011 

A menina Licas

A propósito de um texto de António Lobo Antunes dado a ler numa das aulas anteriores, que abordava a inevitável relação entre homem e mulher, com todo o interminável universo de questões que o recheia, veio-me á memória um episódio passado comigo que foi revelador de uma espécie de estado de encantamento, que, naquela minha idade, seria como uma paixão ingénua que aparece e desaparece como uma doença de infância.
Na meninice de todos acontece, de certeza, ainda que de formas diversas, sentirmos que algo de extraordinário e belo nos prende sem que nos detenhamos na análise da sua origem, pois não temos treino de vida para tal, e, assim, dessa inexperiência, resultarem muitas vezes situações de inevitável impulso, em que o jovem não nota que se encontra em delírio existencial.
Pois bem, na altura eu teria os meus três ou quatro anos de idade, e passava alguns dias em casa do meu avô paterno, quase sempre acompanhado pela minha tia, a quem eu tratava por "TITIA".
Como distracção naquela casa que não era a minha, eu passava o tempo no quintal brincando com o que encontrava de útil á brincadeira, ouvia contos e conversava com a minha tia, ou então punha-me á janela observando a rua e tudo o que nela se passava.
Nesse tempo, tal como ainda hoje aquela rua, por ser pouco central, era pouco movimentada, no entanto, sempre dava para ver alguns vizinhos nas suas saídas, o carteiro que entregava a correspondência em algumas casas, a carroça do lixo que se anunciava pelo toque da sineta para a recolha dos despejos, esporadicamente um mendigo que ia pedindo de porta em porta, ou então, coisa rara, um automóvel, que era motivo de acenos e festa por se tratar de um objecto admirável e por levar dentro pessoas.
Vista daquela janela a rua para o lado direito era a subir até a padaria do Sr. Rocha, e, é claro, para o lado esquerdo era a descer, até á Estrada Velha, porém, meninos da minha idade por ali não havia, todos os que lá moravam eram já rapazes, e também raparigas, quero dizer pelo menos uma rapariga, pois que se outras havia eu não me lembro. Essa que me recordo era a menina Licas!!
Pois bem, se as distracções à vista naquela rua eram poucas, eu comecei então a fixar a minha atenção numa casa de construção moderna e janelas largas que se situava quase em frente á janela das minhas observações e que era a casa da menina Licas, disso eu não tinha duvidas, pois, tal como eu, também a menina Licas tinha o habito de se pôr á janela a observar a rua.
Então dediquei-me à distracção de observá-la com atenção, pois que a esplêndida cabeleira loura, as formas virtuosas do seu porte e outros secretos atributos que eu lhe adivinhava começaram a exercer em mim uma inexplicável atracção. Para além disso outra particularidade nela despertava o meu interesse, que era a forma como ela se punha à janela, provavelmente apoiada em algo que estava do lado de dentro, de forma que ficava bastante debruçada sobre o parapeito da janela, e portanto bem à minha vista.
Assim, as minhas idas para a janela eram coroadas de um secreto êxito sempre que eu tinha a menina Licas bem enquadrada na minha objectiva, no entanto, era mais o tempo que eu esperava para vê-la do que aquele em que a tinha à vista. A rapariga, porém, nem reparava no fedelho que, da janela em frente, a observava atentamente, pois que estaria ela talvez esperando a passagem de alguém que de facto lhe interessaria ver na rua.
E deste jeito as coisas continuaram, eu observando a menina Licas, e ela, ignorando a minha presença, observava a rua olhando da sua janela. No meu íntimo comecei a sentir-me injustiçado, porém, e já que nada de reconfortante me acontecia, um dia voltei-me para a minha tia com ar triunfante comentei-lhe: OH TITIA, A MENINA LICAS É TÃO SIMPÁQUITA!!
Carlos, Março 2011

Depois dum breve interregno...


Este blog, parece ter-se deixado aturdir com o despertar da primavera e mergulhado no sonho de tanto voo, tanto salpico de cor nos campos, tanta luz. Na verdade, as nossas sessões semanais tiveram algumas interrupções e as participações nem sempre têm sido tão regulares.
Mas a verve criativa continua a fervilhar, e, no nosso último encontro, fomos presenteados com dois textos saborosos.

Ei-los! Deliciem-se! 

19 de jan. de 2011

Ciberdúvidas da Língua Portuguesa


Um link que faltava no nosso blogue:
Ciberdúvidas da Língua Portuguesa.


Fonte: http://www.ciberduvidas.com/index.php

 Aqui poderá não só obter respostas para questões de língua portuguesa, mas também ler alguns textos antológicos seleccionados, ver teses de linguística, notícias e actualidades, a montra de livros, etc.










11 de jan. de 2011

Dilma Rousseff, Presidenta ou Presidente do Brasil?


No seu discurso de posse perante o Congresso (minuto 1:50), como no convite para a recepção Dilma Rousseff usa o termo "presidenta"

Presidenta ou presidente?

As opiniões começam a divergir.
Veja-se o texto do Portal da Lusofonia
Mas não deixem também de ler esta explicação bem humorada que anda a circular nos blogs, nos e-mails e no Facebook e cuja origem desconheço.


Notei, assim como aqueles mais atentos também devem tê-lo feito, que a candidata Dilma Roussef e seus sequazes, pretendiam que ela viesse a ser a primeira presidenta do Brasil, tal como atestava toda a propaganda política veiculada pelo PT na mídia.


Presidenta???

Mas, afinal, que palavra é essa totalmente inexistente em nossa língua?
Bem, vejamos:

No português existem os particípios ativos como derivativos verbais. Por exemplo: o particípio ativo do verbo atacar é atacante, de pedir é pedinte, o de cantar é cantante, o de existir é existente, o de mendicar é mendicante...
Qual é o particípio ativo do verbo ser? O particípio ativo do verbo ser é ente. Aquele que é: o ente. Aquele que tem entidade.
Assim, quando queremos designar alguém com capacidade para exercer a ação que expressa um verbo, há que se adicionar à raiz verbal os sufixos ante, ente ou inte. Portanto, à pessoa que preside é PRESIDENTE, e não "presidenta", independentemente do sexo que tenha. Se diz capela ardente, e não capela "ardenta"; se diz estudante, e não "estudanta"; se diz adolescente, e não "adolescenta"; se diz paciente, e não "pacienta".

Um bom exemplo seria:
"A candidata a presidenta se comporta como uma adolescentapouco pacienta que imagina ter virado eleganta para tentar ser nomeada representanta. Esperamos vê-la algum dia sorridenta numa capela ardenta, pois esta dirigenta política, dentre tantas outras suas atitudes barbarizentas, não tem o direito de violentar o pobre português, só para ficar contenta. "

5 de jan. de 2011

Inventores de palavras

Se mais não fizesse Mia Couto - e a verdade é que tem o condão de, não só, nos levar a saborear a recriação da língua em cada um dos seus escritos, mas também , nos conduz deliciados pelos caminhos do sonho e da poesia - ter-nos-ia pelo menos alertado para tantas escrevências desinventosas dos autores de língua portuguesa.

A. Lobo Antunes, por exemplo, em Sôbolos Rios Que Vão fala-nos de pombos "desbussolados"; ou então refere o herói tapando o bocal do telefone desorbitado de fúria.

O desafio aqui continua: partilhe connosco as escrevências desinventosas que encontre por aí em autores de língua portuguesa e também as palavras que cria na comunicação com os outros e que de tão óbvias facilmente se tornariam código comum.

E, para documentar a recriação /uso inovador das palavras, nada melhor que terminar este post com um belíssimo poema de Natália Correia.

ADVENTO

À meia-noite um assobio
de cristal o anunciava.
Lourinho de ovos em fio
o seu cabelo soltava

na mesa para que nas bocas
recém-nascidamente fosse
a Eternidade resolvida
em metáfora de doce.

Bilingue de céu e terra
num favo de luz impresso
era tão fácil de ler
que nele aprendi os versos.

Espirito amorado em flor
sem punhado de palhinhas
orvalhava era o licor
santo da sua mijinha.

Natal agora na alma
é infância a rapar frio.
Enjeita-a o destino. Ai,
que se partiu o menino


O lado B do Natal

Depois dum longo silêncio fiquei, como se vê, atrasada com os posts. E a primeira crónica em prosa da Natércia (uma experiência cuja partilha nos deu - e estou certa que lhe deu também a ela - muito prazer) ficou a dormir no meu dossiê durante as duas semanas de férias de Natal.
Sem mais demoras, aqui está!

O lado B do Natal

Ao passar numa rua da cidade, deparei com uma enorme caixa de cartão a um canto. Pensei: - Como as pessoas são desmazeladas! Agora, com as ilhas ecológicas, já não se justifica os catões na rua.

Porém, eu estava enganada! Essa caixa era uma “habitação” dum sem-abrigo. De dentro, como se fora uma janela, surge um rosto barbudo, olhando tristemente o brilho das luzes de Natal. Que pensaria aquele homem, envolto numa manta velha para se abrigar do frio da noite, ao olhar esse falso brilho que as luzes de Natal nos transmitem? Decerto os seus pensamentos eram tão tristes como o seu olhar!

Para além do colorido e do brilho, existe um mundo que é obscuro em que só alguns vivem. Que diferença! Infelizmente o tempo passará e haverá sempre diferenças no Mundo. Mas, porquê tantas?

Natércia (Dez, 2010)


Fonte da imagem: http://pt-pt.hi5.com/friend/p441700202--friend--html