27 de out. de 2010

A propósito do Mundo do Tubarão




Mais um cartoon sobre inquéritos. (da mesma fonte)








Agora as palavras

Obrigada, Corina, por partilhar connosco o seu texto.

Também os grandes escritores se debruçam sobre esse tema e referem esse difícil jogo de esconde-esconde que enfrentamos com as palavras que teimam em fugir-nos ou, vadias, tardam em em pousar no papel dando forma ao que queremos comunicar.

Veja-se o que escreve Eugénio de Andrade:


Agora as palavras *

Eugénio de Andrade **


Obedecem-me agora muito menos,
as palavras. A propósito
de nada resmungam, não fazem
caso do que lhes digo,
não respeitam a minha idade.
Provavelmente fartaram-se da rédea,
não me perdoam
a mão rigorosa, a indiferença
pelo fogo-de-artifício.
Eu gosto delas, nunca tive outra
paixão, e elas durante muitos anos
também gostaram de mim: dançavam
à minha roda quando as encontrava.
Com elas fazia o lume,
sustentava os meus dias, mas agora
estão ariscas, escapam-se por entre
as mãos, arreganham os dentes
se tento retê-las. Ou será que
já só procuro as mais encabritadas?

* In O Sal da Língua

20 de out. de 2010

No mundo do tubarão

Mais uma vez o telefone tocou, e por coincidência, e tendo eu acabado de jantar, prontifiquei-me a atendê-lo. Na verdade não estava à espera de nenhuma chamada, e desde logo suspeitei tratar-se de mais uma abordagem comercial muito em uso no nosso tempo.

Do outro lado da linha uma voz feminina cumprimentou-me, indicando o respectivo nome. Pensei de imediato que mais uma vez teria de por fim à conversa, respondendo de forma civilizada que não estava interessado no produto, que não tinha infraestrutura para instalar o equipamento, oferecido na pechincha, ou que já estava servido com o bem proposto.

Nada disso, amavelmente a interlocutora apenas me queria fazer um inquérito comercial a mando da firma de cujo nome me esqueci de imediato.

Acedi afirmativamente, na esperança de um interrogatório curto e objectivo.

Começou a inquirente por perguntar dos meus hábitos comerciais, espaços onde me abasteço, espaços que conheço ou não, todos eles, no entanto, marcas satélites ou irmanadas de uma maior que reina alto neste país. Aí comecei a desconfiar!

Depois, tomando uma das referidas empresas para início de sondagem, propôs-me atribuir uma classificação de satisfação, utilizando apenas um dos parâmetros seguintes: Muito Bom, Bom, Mau, Muito Mau.

Não entendi o sentido da questão pois o meu grau de satisfação em relação à dita marca é mediano, pelo que pedi que me orientasse na resposta.

Voltou a inquirente à carga, insistindo que à quarta proposta eu teria que responder apenas com um e só um dos valores (parâmetros) propostos.

A mais outra minha contestação quanto aos critérios propostos, respondeu a inquirente que apenas uma das respostas propostas era admitida, de outra forma o inquérito terminava naquele ponto. Respondi-lhe que, assim sendo, o inquérito estava terminado, e desliguei civilizadamente a chamada.

Por momentos fiquei paralisado, mas logo de imediato senti-me cilindrado, e fiquei com a percepção do peso do cilindro que é a Besta EMPRESARIAL GLOBAL.

Pensei no anda montado atrás desta visão maximalista do mundo.

As grandes empresas que, para além de terem os preços mais baixos nos seus produtos, fazem, porém, dos seus consumidores paus mandados, para de testemunho colhido à força, fazerem crer que são em tudo os melhores do Mundo.

Internamente, nestas empresas, quem lá trabalha, vive o drama de ser ou excelente ou mau, sem meio termo, já que é esse o único critério válido de classificação que conhecem, muito embora se embandeirem em arco, proclamando que são MODERNAS, MUITO COMPETITIVAS e aptas à GLOBALIZAÇÂO.

Acreditamos que vivemos em Democracia, porém, a nossa vida comunitária vê-se cada vez mais espartilhada por valores criados à força e ao serviço da Brutalidade Empresarial Global? A qual nos submete continuamente e apenas nos dá a oportunidade de viver no fio da navalha entre o ser besta ou ser bestial. Sendo que a passagem dum estado ao outro é apenas questão de humores de quem tem o poder de decidir da sorte dos outros.

Conclusão: Diz-se que vivemos em Democracia. Pois sim! Porém no dia a dia a prática mostra que disfarçados os constrangimentos, vivemos submetidos a valores próprios dos totalitarismos de Partido Único, em que quem não é por “nós” é contra “nós”.

Carlos, 13/10/2010

18 de out. de 2010

Uma simples redacção

Na passada 4ª feira, assisti à minha primeira aula de Língua Portuguesa. A Professora, após a apresentação de todos os alunos e uma breve abordagem sobre a matéria para o presente ano lectivo, sugeriu que a turma fizesse uma redacção!

Ao ouvir esta palavra, de doces recordações, ouço sininhos tocando, e o meu pensamento voa para a escola tão longínqua dos meus tempos de menina, quando o meu Professor Baptista lia em voz alta a minha redacção.

“Isto é para vocês (dizia ele para os outros meninos e meninas) ouvirem e saberem como se faz uma redacção”.

O meu coração pulava, mas a minha timidez mandava que eu ficasse caladinha e me lembrasse que o mérito afinal não era meu … é que naquele tempo as palavras andavam sempre ali, à mão de semear e as ideias eram tantas e tão fáceis de agarrar! Bastava estalar um dedo e elas vinham aos magotes e alinhavam-se, bem quietinhas, nas páginas do meu caderno, sem nunca errarem a linha, nem tão pouco o seu lugar.

Vejo agora como hoje as coisas são bem diferentes: já me fogem quando as chamo, levam o tempo a esconder-se, as fugidias palavras não se deixam agarrar, nem se aquietam no papel. E eu desisto, pois sem elas não consigo encontrar nem o tema nem a forma para uma simples crónica escrever.

Corina, 2010/10/12


As nossas crónicas


O desafio lançado na primeira aula deu frutos, e as primeiras (tentativas de) crónicas surgiram.
A segunda aula foi um belo espaço de partilha com a leitura dum texto de José Saramago e de três produções de três colegas.
E quando há participação a discussão surge e flui. Crescem os comentários, as questões e também os aplausos:
"Muito bonito!"
"Crónica ou conto?"
"Que tipos de crónica?"
"E que tal uma crónica em verso?"

Eis, pois, a primeira crónica (Ou será um conto?)

A mãe do seu menino

Sempre aquela mãe, na sua roda de amigas, enaltecia as qualidades físicas e morais do seu menino, não esquecendo as intelectuais.

Nasceu com 4 Kgs, era um bebé lindo, deu-lhe umas boas noites. Ainda lhe faltavam alguns meses para os 2 anos, depois de gatinhar, já andava, mandava beijinhos e tinha um lindo sorriso, além de balbuciar algumas palavras.

O seu menino aos quatro anos já conhecia as letras e aos cinco anos juntava-as e construía palavras, um encanto de criança!

Na escola primária (hoje básica) era o melhor aluno da turma, sempre atento e respeitador para com colegas e professores.

Como bom estudante fez todo o percurso do ensino obrigatório e entrou na universidade. Já na universidade, perdeu-se de amores por uma colega, uma esbelta rapariga.

O namoro agora fazia parte da sua vida a par das aulas de direito que frequentava com a sua mais que tudo, eram colegas de curso.

Quando a mãe teve por si conhecimento de que se iam casar, estremeceu. Foi para aquela mãe, embora sabendo do namoro, uma novidade. Aquele menino lindo que tinha sido o maior bem que o seu falecido marido lhe tinha deixado, ia casar, constituir um lar. Que bonito!

Mas, num solavanco, a mãe do menino, ao estremecer, pensou, e em voz alta, interrompida pela emoção, disse: - Será que ela vai tratar o meu querido filho como merece? Como o tratei sempre? E com o dedo à frente do nariz balbuciou: - Está calada!

Marcado o casamento, muita azáfama, pouco tempo para estar com o filho.

No dia do casamento ela, já na igreja, fitava o filho, e lágrimas corriam-lhe pela face enrugada.

Depois da cerimónia e à saída da igreja, os noivos caminhavam ao som da marcha nupcial. A mãe, quase de joelhos correu por entre a multidão e beijou a mão do seu ente querido. “ Que sejas feliz, meu amor!” assim disse ela.

Já em casa, depois da boda, depois de se ter libertado do vestido apertado e dos sapatos que lhe magoavam os pés, a pobre mãe em silêncio repetia o que havia dito à porta da igreja: “Que sejas feliz, meu amor!”

Numa coisa ela não deixava de pensar: Será que aquela jovem que se casou com o seu menino seria capaz de o tratar como ela o fez?

Visitava com frequência a casa dos noivos, levava flores e ia dizendo das preferências do filho, de como gostava de comer e vestir, enfim...

E uma vez que visitou o casal dirigiu-se à nora e, entregando-lhe um ramo de flores que mais lhe agradou para oferecer, a nora, tomando-as, atirou o ramo das mesmas, que caíram em cima duma mesa, dizendo “Flores!...”

A sogra, ao ouvir a nora, respondeu: “São flores! meta-as numa jarra e não se esqueça de as regar para não murcharem!...”

Rogério (13/10/2010)

13 de out. de 2010

Planos para este ano

Cada vez que se inicia um ano tendemos a formular desejos, promessas, projectos, planos.


Alguns de nós, mais rigorosos, rígidos, precisos ou disciplinados, levarão à risca o percurso que delinearam e tenderão a cumpri-lo sem sair do caminho traçado.


Outros, indisciplinados como eu, seguirão por caminhos já traçados, mas, cansados de rotinas e previsibilidade, ensaiarão fugas, breves jogos de escondidas, paragens aqui e ali por puro deleite ou dois dedos de surpreendente conversa, vaguearão gostosamente por atalhos desconhecidos em busca de novos destinos.


Os passeios projectados para este ano passarão por uma breve abordagem ao novo acordo ortográfico e deter-se-ão um pouco mais na crónica.


Porquê esta escolha?


O acordo ortográfico


O acordo entrou em vigor a 13 de Maio de 2009, data em que começa a ser contado em Portugal o período de transição de 6 anos estipulado por lei, sendo, pois, 2015 o prazo limite para a adopção oficial da nova ortografia.

Para muitos as alterações na ortografia portuguesa são fonte de desacordo, dúvida e conjecturas diversas.

Não é fácil começar de repente a alterar hábitos de escrita adquiridos há muito, sobretudo quando não estamos seguros das novas regras.

Gostando de ler e escrever, preocupamo-nos com a correcção e actualização, mas temos consciência de que alguns "c", "p", uma ou outra maiúscula e um ou outro acento irão esgueirar-se subrepticiamente pelas frinchas da nossa distracção.
Este texto é viva prova disso.
Prometemos estar mais vigilantes.

A crónica
  • Porque, pelas suas características, a crónica nos permite abordar uma variedade de temas mais actuais ou mais reflexivos ou críticos;
  • Também nos oferece uma escolha desde os textos mais factuais aos mais poéticos
  • A crónica é em geral tão breve que poderemos tratá-los na nossa curta hora semanal.
E finalmente...
  • Há um mundo de assuntos que nos despertam a atenção e o desejo de pôr em escrita o que observamos e sentimos.

2010/2011

E aqui estamos de novo depois duma ausência de muitos meses.
- Não fizeram nada entretanto? - perguntarão.
- Claro que fizemos: poetámos (desculpe-se-nos o neologismo), lemos, escrevemos um pouco, conversámos bastante, partilhando ideias e memórias, celebrámos efemérides como o Dia da Mulher, Dia do Pai, 25 de Abril, 1º de Maio, mas também o amor, a primavera, os santos populares, tudo temperado com poesia e música.
A Oração da Paz, também denominada de Oração de São Francisco de Assis, e erradamente atribuída ao santo, diz que "é no dar que se recebe". Os teóricos da aprendizagem dos nossos dias chamam ao que fizemos aprendizagem social, mas o que sabemos é que todos ficámos mais ricos com o muito que partilhámos.