As velhas da minha rua
Com saudade, sim, recordo com saudade, a Bárbara das
Carretas, sempre atarefada a fazer empreita, rolo já feito debaixo do braço,
uma palma na boca, usava vocabulário um tanto impróprio para uso das pessoas de
então, fumava cachimbo.
A Júlia Franco, encarregada de serviços de um antigo
comerciante, o Pereira, que era surdo, e então a quinhentos metros ouviam-se as
conversas, quase sempre relacionadas com os serviços que fazia num pequeno
terreno que o senhor tinha à distância de cerca de um quilómetro da então vila
de Lagoa.
A Tia Anica tinha a mania das horas e, enquanto não ouvia as
badaladas, estava inquieta, mas, assim, depois delas ficava feliz. Também tinha
a mania dos nomes e, assim, abeirava-se das pessoas, dando sinais da pessoa de que
se tinha esquecido do nome, e, então, quando era satisfeita, agradecia muito.
Metia rapé nas narinas e espirrava por isso, mas, segundo dizia, aliviava-a
muito.
O sistema de registo da Tia Eliza |
A Inácia Bobó, lavadeira, ia buscar roupas para lavar nas
Fontes de Estômbar. Para fazer a caminhada até às Fontes usava um burro velho;
alguns encomendava a rapazes, que iam buscá-los às Alagoas, zona húmida, onde
abandonavam asininos depois de já não poderem trabalhar, cujo valor não ia a 50
centavos. Quando tinha algum dinheiro ia à taberna da Tia Eliza com uma
garrafinha escondida, que trazia cheia de aguardente. Depois de embriagada,
insultava os vizinhos.
A Isabel Carteira, coitada, também era alcoólica e então
vivia com o Eugénio Esbruga num armazém (antiga oficina de carros puxados por
muares). Se ele recolhia mais cedo, fechava-se e era vê-la suplicando ”Ó
Geninho, filho, abre a porta!” Batia e repetia até à exaustão “Geninho, abre a
porta!” e, assim, ele curtia a sua bebedeira abrigado, e ela, também com os
copos, de fora, até que se calava, vencida pelo sono. A Isabel Carteira comia
carvão, algum adquirido fazendo mão baixa na taberna da Tia Eliza.
A Lucrécia Caixinha era outra velha dos meus tempos de
criança. Fazia bruxedo. Vivia com duas filhas e chegaram a estar encarregues
dum marco fontanário existente perto da casa onde viviam.
Como é bom recordar isto, antes que a velhice que me afeta,
mo faça esquecer.
Eu já me esqueço dos nomes. Eu já não dispenso o relógio. Outros
digam de sua justiça.
Rogério (Novembro, 2011)