27 de out. de 2010

Agora as palavras

Obrigada, Corina, por partilhar connosco o seu texto.

Também os grandes escritores se debruçam sobre esse tema e referem esse difícil jogo de esconde-esconde que enfrentamos com as palavras que teimam em fugir-nos ou, vadias, tardam em em pousar no papel dando forma ao que queremos comunicar.

Veja-se o que escreve Eugénio de Andrade:


Agora as palavras *

Eugénio de Andrade **


Obedecem-me agora muito menos,
as palavras. A propósito
de nada resmungam, não fazem
caso do que lhes digo,
não respeitam a minha idade.
Provavelmente fartaram-se da rédea,
não me perdoam
a mão rigorosa, a indiferença
pelo fogo-de-artifício.
Eu gosto delas, nunca tive outra
paixão, e elas durante muitos anos
também gostaram de mim: dançavam
à minha roda quando as encontrava.
Com elas fazia o lume,
sustentava os meus dias, mas agora
estão ariscas, escapam-se por entre
as mãos, arreganham os dentes
se tento retê-las. Ou será que
já só procuro as mais encabritadas?

* In O Sal da Língua

2 comentários:

  1. Também Lobo Antunes na sua última crónica da Visão (21-10-2010), Conversa em família, continuando a interrogar-se sobre o mistério da criação quando escreve um novo romance, parece apontar para a mudança nos hábitos de escrita:
    “A minha maneira de trabalhar mudou muito ao longo dos anos. Não faço um plano, começo praticamente sem nada, tacteio, às cegas, num nevoeiro interior, quando julgo haver encontrado uma direcção o livro muda, há dias em que consigo meia dúzia de linhas, dias em que consigo meia página, aí a partir da primeira metade as palavras começam a andar mais depressa e eu atrás delas, com a sensação de pegar na ponta da trela de um cão mais forte do que eu, que não cessa de puxar-me e me desequilibrar.”

    ResponderExcluir
  2. Eugénio de Andrade é o meu poeta de eleição. A sua poesia toca-me de uma maneira muito especial, talvez porque, como ele, sou uma apaixonada pelas palavras.
    Fiquei agradavelmente surpreendida quando li o excelente poema aqui publicado (que não conhecia), ao verificar que existe mais um elo a unir-nos em relação às palavras...a conclusão de que, com o passar dos anos elas "tomam o freio nos dentes" sempre que corremos atrás delas e fazem da nossas busca o dito jogo de esconde esconde, que como qualquer outro jogo, tem algo de apaixonante!
    Obrigada, minha Professora, por me ter dado a conhecer mais este poema pleno de ironia.
    Corina

    ResponderExcluir